Uma audiência com o propósito de debater o licenciamento dos empreendimentos nas regiões do Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro, especialmente em relação a instalação da Usina Hidrelétrica (UHE) Gamela, que está sendo projetada para o rio Paranaíba, em Coromandel, Minas Gerais.
“A água é um bem de domínio público, é um recurso limitado, dotado de valor econômico, e, quando em situação de escassez, deve ser garantido o uso prioritário desse recurso para o consumo humano e a dessedentação de animais. Acho que, quando se fala do projeto da Usina Hidrelétrica de Gamela, é principalmente disso que se trata”, afirmou Gustavo Alcantara Kenner, o procurador da República, durante audiência pública promovida pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na última terça-feira, dia 3 de setembro, em Belo Horizonte (MG).
Segundo especialistas que participaram do evento, o licenciamento de hidrelétricas precisa de um prévio macroplanejamento considerando toda a bacia hidrográfica envolvida, e não apenas o rio onde ela será implantada. O professor da Universidade Federal de Lavras, Paulo dos Santos Pompeu, defendeu que a maioria das medidas mitigadoras dos impactos desses empreendimentos não tem obtido um funcionamento no país. De acordo com ele, desde que as hidrelétricas começaram a ser construídas, as escadas e elevadores para transposição de peixes para reservatórios têm sido o maior mecanismo de proteção, no entanto, “o ambiente natural do peixe é o rio, não o reservatório” e os mecanismos de transposição não estão respeitando a dinâmica de migração dos peixes, onde as espécies migram, muitas das vezes, somente em determinadas época do ano e condições de temperatura.
O procurador da República destacou a sobrecarga já existente naquela região. “Estamos falando de bacias que já têm um fluxo seriamente comprometido por várias usinas e por várias utilizações, cujos efeitos não são isolados. Por isso é que, especificamente no caso da UHE Gamela, demonstrou-se que haveria impactos que a tornavam inconciliável com a Pequena Central Hidrelétrica de Escada. Ou seja, o processo de licenciamento precisa fazer essa análise de efeitos sinérgicos, porque os impactos imediatos previstos não serão os impactos reais a longo tempo e em toda a bacia”.
Gustavo Alcantara Kenner relembrou que, em 2021, a Cemig fez um alerta que usina de Emborcação, no município de Nova Ponte, estava operando com níveis próximos ao mínimo de 1%. “Para se ter noção do impacto que é chegar ao nível de água 1% do volume do reservatório, isto representa reduzir o nível da represa em mais de oito metros, o que resultaria na morte certa de mais de 15 milhões de tilápias em criatórios e gaiolas. Ou seja, a gente sabe que estamos vivendo períodos de secas prolongadas em razão das mudanças climáticas e que essa é uma região [Triângulo e Alto Paranaíba] com várias fragilidades ambientais, agravadas, entre outras causas, pelo crescimento dos loteamentos e ocupações irregulares no entorno dos reservatórios, pela destinação irregular de efluentes sanitários irregulares e pelo rebaixamento de nível de reservatórios”.
Ele ainda defendeu que novas fontes energéticas como alternativa à energia produzida pelas hidrelétricas fossem utilizadas. “As matrizes energéticas do Brasil vêm passando por uma revolução profunda, com a introdução de fontes fotovoltaicas e eólicas, e isso precisa ser levado em consideração quando se fala de projetos de menor escala como esse da UHE Gamela. A cidade de Uberlândia, por exemplo, já é, se não a maior, uma das maiores geradoras de energia fotovoltaica do país, refletindo uma mudança recente, mas com avanços significativos. Então, para fins de perspectiva de futuro, precisamos tratar da expansão das usinas fotovoltaicas e eólicas, que, se também não são isentas de impactos ambientais, causam efeitos muito menos drásticos do que as hidrelétricas”.